PODEROSOS VINGADORES 2007-2010
Quinta-feira, 10.05.12
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PODEROSOS VINGADORES 2007-2010
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NOVOS VINGADORES 2010-2012 covers
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NOVOS VINGADORES 2005-2010
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NOVOS VINGADORES ESPECIAIS
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NOVOS VINGADORES ESPECIAIS
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Anual novos vingadores
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Anual novos vingadores
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jovens vingadores 2008 covers
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jovens vingadores 2005-2006 covers
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A Palavra dos Mortos
Quinta-feira, 10.05.12
Pedem de São Paulo a colaboração humilde do meu esforço para a apresentação de “Palavras do Infinito” que um grupo de espiritistas da Sociedade de Metapsíquica do grande Estado, tendo à frente o eminente amigo Dr. João Batista Pereira, vai lançar à publicidade com o objetivo de fornecer gratuitamente, com a mensagem dos mortos, um consolo aos tristes, uma esperança aos desafortunados e um raio de claridade aos que naufragam, desesperados, na noite escura da dúvida e da descrença em meio às borrascas do oceano tempestuoso da vida.
Existem poucas probabilidades de eficácia no esforço dos mortos em favor da regeneração da sociedade dos vivos. Contudo, as atividades de ordem espiritualista, na atualidade do mundo, constituem a derradeira esperança da civilização. Sou agora dos que vêem de perto o trabalho intenso das coletividades invisíveis pelo progresso humano; sinto ao meu lado a vibração luminosa do pensamento orientador das sentinelas avançadas de outras esferas da evolução e do conhecimento e reconheço que somente das concepções do moderno Espiritualismo poderá nascer o novo dia da Humanidade. E embora a negação sistemática dos homens diante dessas realidades consoladoras, os túmulos vêm deixando escapar os seus profundos e maravilhosos segredos, falando a sua palavra tocada de conforto e de claridades sobrenaturais.
Na Antiguidade egípcia, figurava-se o santuário da verdade ao fim de uma estrada sinuosa, rodeada de esfinges representando os enigmas das suas essências profundas; e no seu estranho simbolismo essas imagens constituíam as esfinges da Morte, cujos umbrais de silêncio e de treva a Vida jamais poderia transpor para solucionar os problemas inextricáveis dos destinos e dos seres. O tempo, todavia, modificou a mentalidade humana, adaptando-a para um conhecimento melhor de si mesma. Em meados do século passado, quando o materialismo atingia as suas cumiadas, na expressão filosófica dos pregoeiros e expositores, eis que os mortos voltam a confabular com os vivos sobre a sua maravilhosa ressurreição. A esperança volta a felicitar a mansarda dos pobres e o coração dos oprimidos na prodigiosa perspectiva da imortalidade através de todos os mundos e os desencarnados, num heroísmo supremo, volvem aos centros de estudos e aos gabinetes dos sábios com a lição piedosa das suas experiências.
Não obstante a arrancada gloriosa dos que já haviam partido das substâncias poderes da Terra para as esferas luminosas do Céu, tentando, com os seus exércitos de arcanjos, reorganizar a sociedade humana, restaurando os alicerces do Cristianismo, poucos foram aqueles que ouviram as suas trombetas ecoando no vale das lágrimas e das provações. Diante desse fenômeno universal, a religião não pôde volver dos seus interesses e da sua intransigência para identificar a espiritualidade dos seus santos e dos seus antigos reformadores; a ciência acadêmica, por sua vez, conserva-se de guarda ao seu passado e com as suas conquistas de ontem presume-se na posse da sabedoria culminante. Entretanto, o dogmatismo é incompatível com o progresso, e todas as concepções cientificas de cada século se caracterizam pela sua instabilidade, porque os olhos da carne não vêem o que existe. Nenhuma teoria pode explicar a vida à base exclusivista da matéria. Todos os fenômenos mecânicos do Universo obedecem a uma força inteligente e nada existe de real diante da visão apoucada dos homens, porque as verdades profundas se lhes conservam invisíveis.
Os movimentos planetários, os turbilhões atômicos no complexo de todas as coisas tangíveis, inclusive o seu próprio corpo, o mistério da força, os enigmas da aglutinação molecular, o segredo da atração, a identidade substancial da energia e da matéria, que nunca se encontram separadas uma da outra, não se mostram aos olhos humanos dentro da sua transcendência e da sua grandeza. Todo átomo de matéria tem a sua gênese no átomo invisível, de natureza psíquica. Raios impalpáveis e ocultos trazem a vida e trazem a morte. E o homem, na sua ignorância presumida, mal se apercebe que é o fantasma cambaleante de Édipo, vivendo na zona limitada do seu livre-arbítrio, mas submetido às leis de bronze do destino e da dor, cujas atividades objetivam o aprimoramento de sua personalidade; apesar da sua vaidade e do seu orgulho, todas as suas glórias materiais caminham para a morte. Nietzsche arquiteta com Zaratustra a filosofia do homem superior para cair aniquilado sobre o seu próprio infortúnio. Napoleão, depois das lutas prestigiosas que lhe granjearam a admiração universal, recolhe-se em Santa Helena para meditar nas célebres sentenças do Eclesiastes. Édison, após encher de conforto as cidades modernas com a sua imaginação criadora, sente o esgotamento de suas forças físicas para aguardar o gume afiado da morte. Os homens, com todos os pergaminhos de suas conquistas, viverão sempre no círculo de suas fraquezas e de suas misérias, enquanto não se voltarem para o lado espiritual do Sofrimento e da Vida.
A manifestação das atividades dos mortos não lhes tem fornecido as conclusões de ordem moral que se fazem necessárias ao aperfeiçoamento coletivo; com algumas honrosas exceções, despertou apenas o sentimento de suas análises, nem sempre orientadas no propósito de saber, para serem filhas intempestivas das vaidades pessoais de cada um. Disse Ingenieros, nos seus estudos psicológicos, que a história da civilização representa apenas o desenvolvimento da curiosidade humana. Se isso é um fato incontestável, não é menos verdade que essa sede de revelações deve possuir uma bússola espiritual nas suas longas e acuradas perquirições do invisível. Muita experiência trouxe do mundo para acreditar que as teorias, só por si, possam operar a salvação da humanidade. Elas constituem apenas o roteiro de sua marcha onde os espíritos de boa vontade vão conhecer o caminho. São acessórios do seu esclarecimento sem representarem a compreensão em si mesmas. Toda a civilização ocidental fundou-se à base do Cristianismo; todavia o que menos se vê, no seu fausto e na sua grandeza, é o amor e a piedade do Crucificado. A atualidade está cheia de exemplos dolorosos. Povos considerados cristãos preparam-se afanosamente para as lutas fatricidas. A Liga das Nações, que alimentava o sonho da paz universal está hoje quase reduzida a uma abstração de ideólogos. A Itália e Alemanha expansionistas empunham a espada do arrasamento e da destruição. Ainda agora o general Ludendhorf acaba de entregar à publicidade o seu livro terrível sobre a guerra total.
A crença e a fé não procedem de combinações teóricas ou do malabarismo das palavras e dos raciocínios. É no trabalho e na dor que se processam e se afinam. Para a Fé não há melhor símbolo que o toque de Moisés sobre as rochas adustas, fazendo brotar o lençol líquido das águas claras da vida. Só a dor pode tocar o coração empedernido dos homens e é por isso que a lição dos mortos servirá somente para constituir a base nova da sociologia de amanhã. A fé, por enquanto, continuará como patrimônio dos corações que foram tocados pela graça do sofrimento. Tesouro da imortalidade, seria o ideal da felicidade humana se todos os homens o conquistassem, mesmo nos desertos tristes da Terra.
Um grande astrônomo francês, inquirido sobre as recompensas do Céu, acentuou:
“Mesmo aqui podem as criaturas receber as recompensas do paraíso. O Céu é o infinito e a Terra é uma das pátrias da Imensidade; todos os homens, portanto, são cidadãos celestes. É aqui, na superfície triste do mundo, que as almas realizam a aquisição de suas felicidades. Estamos em pleno céu e em toda à parte veremos cada um receber segundo as suas obras...”.
Sobre as frontes orgulhosas dos homens pairam os órgãos invisíveis de uma justiça imanente e sobre a terra pode o espírito fazer jus aos prêmios do Alto. A crença com os seus esplendores subjetivos, é um desses maravilhosos tesouros.
Que as palavras do infinito se derramem sobre o entendimento das criaturas; cooperando com a dor, elas descobrirão para o homem as grandezas ocultas de sua própria alma, a fim de ele aceite, em seu próprio beneficio, as realidades confortadoras da sobrevivência. A voz do além pode ficar incompreendida, mas os mortos continuarão a falar para os vivos, comandados à ordem de Alguém, que está acima das opiniões de todos os cientistas e escritores, encarnados e desencarnados. Foi a piedade de Jesus que abriu as cortinas que velavam os mistérios escuros e tristes da morte e o Divino Jardineiro conhece o terreno fecundo onde germinam as sementes do seu amor.
Os homens aprenderão à custa das suas dores, com todo o fardo de suas misérias e de suas fraquezas e as palavras do infinito cairão sobre eles como a chuva de favores do alto. Que elas se espalhem nos corações e nas almas, porque cada uma trás consigo a claridade de um sol e a doçura de uma benção.
Humberto de Campos
(Recebida em Pedro Leopoldo a 27 de março de 1935).
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De um casarão de outro mundo
Quinta-feira, 10.05.12
Muitas vezes pensei que outras fossem as surpresas que aguardassem um morto depois de entregar à terra os seus despojos.
Como um menino que vai pela primeira vez a uma feira de amostras, imaginava o conhecido chaveiro dos grandes palácios celestiais. Via S. Pedro de mãos enclavinhadas debaixo do queixo, óculos de tartaruga como os de Nilo Peçanha, assestados no nariz, percorrendo com as suas vistas sonolentas e cansadas os estudos técnicos, os relatórios, os mapas e livros imensos, anunciadores do movimento das almas que regressavam da Terra como um amanuense destacado de secretaria. Presumia-o um velhote bem conservado, igual aos senadores do tempo da monarquia no Brasil, cofiando os seus longos bigodes e os fios grisalhos da sua barba respeitável. Talvez que o bom do apóstolo, desentulhando o baú de suas memórias, me contasse algo de novo: algumas anedotas a respeito de sua vida segundo a versão popular; fatos do seu tempo de pescarias certamente cheios das estroinices de rapazelho. As jovens de Séforis e de Cafarnaum, na Galiléia, eram criaturas tentadoras com os seus lábios de romã amadurecida. S. Pedro por certo diria algo de suas aventuras, ocorridas, está claro, antes da sua conversão à doutrina do nazareno.
Não encontrei porém o chaveiro do céu. Nessa decepção cheguei a supor que a região dos bem-aventurados deveria ficar encravada em alguma cordilheira de nuvens inacessíveis. Tratava-se certamente de um recanto de maravilhas onde todos os lugares tomariam denominações religiosas na sua mais alta expressão simbólica: Praça das Almas Benditas, Avenida das Potências Angélicas. No coração da cidade prodigiosa, em paços resplandecentes, S. Cecília deveria tanger a sua harpa, acompanhando o coro das onze mil virgens, cantando ao som de harmonias deliciosas para acalentar o sono das filhas de Aqueronte e da noite, a fim de que não viessem com as suas achas incandescentes e víboras malditas perturbar a paz dos que ali esqueciam os sofrimentos em repouso beatífico. De vez em quando se organizariam, nessa região maravilhosa, solenidades e festas comemorativas dos mais importantes acontecimentos da Igreja. Os papas desencarnados seriam os oficiantes das missas e Te Deums de grande gala a que compareceriam todos os santos do calendário: S. Francisco Xavier com o mesmo hábito esfarrapado com que andou pregando nas Índias; S. José, na sua indumentária de serralheiro; S. Sebastião na sua armadura de soldado romano; S. Clara com o seu perfil lindo e severo de madona, sustentada pelas mãos minúsculas e inquietas dos arcanjos como rosas de carne loura. As almas bem conceituadas representariam, nas galerias deslumbrantes, os santos que a Igreja inventou para o seu agiológio.
Mas... não me foi possível encontrar o céu.
Julguei então que os espíritas estavam mais acertados em seus pareceres. Deveria reencontrar os que haviam abandonado as suas carcaças na terra, continuando a mesma vida. Busquei relacionar-me com as falanges de brasileiros emigrados no outro mundo. Idealizei a sociedade antiga, os patrícios ilustres aí refugiados, imaginando encontrá-los em uma residência principesca como a do marquês de Abrantes, instalada na antiga chácara de dona Carlota, em Botafogo, onde recebiam a mais fina flor da sociedade carioca das últimas décadas do segundo império, cujas reuniões, compostas de fidalgos escravocratas da época, ofuscavam a simplicidade monacal dos Paços de S. Cristóvão.
E pensei de mim para comigo: Os rabinos do Sinédrio, que exararam a sentença condenatória de Jesus Cristo, quererão saber as novidades de Hitler na sua fúria contra os judeus. Os remanescentes do príncipe de Bismarck, que perderam a última guerra, desejariam saber qual a situação dos negócios franco-alemães. Contaria aos israelitas a história da esterilização e aos seguidores do ilustre filho de Schoenhausen as questões do plebiscito do Sarre. Cada bem-aventurado me viria fazer uma solicitação, a que eu atenderia com as habilidades de um porta-novas acostumado aos prazeres maliciosos do boato.
Enganara-me, todavia. Ninguém se preocupava com a Terra ou com as coisas da sua gente.
Tranqüilizem-se contudo os que ficaram, porque se não encontrei o Padre Eterno com as suas longas barbas de neve, como se fossem feitas de paina alva e macia, segundo as gravuras católicas, não vi também o diabo.
Logo que tomei conta de mim, conduziram-me a um solar confortável como a casa dos Bernardelli na praia de Copacabana. Semelhante a uma abadia de frades da Estíria, espanta-me o seu aspecto imponente e grandioso. Procurei saber nos anais desse casarão do outro mundo as noticias relativas ao planeta terreno. Examinei os seus in folios. Nenhum relate havia com respeito aos santos da corte celestial, como eu os imaginava, nem alusões a Mefistófeles e ao amaldiçoado. Ignorava-se a história do fruto proibido, a condenação dos anjos rebelados, o decreto do dilúvio, as espantosas visões do evangelista no Apocalipse. As religiões estão na Terra muito prejudicadas pelo abuso dos símbolos. Poucos fatos relacionados com elas estavam naqueles documentos.
O nosso mundo é insignificante demais pelo que pude constatar na outra vida. Conforta-me porém haver descoberto alguns amigos velhos entre muitas caras novas.
Encontrei o Emílio, radicalmente transformado. Contudo, às vezes, faz questão de aparecer-me de ventre rotundo e rosto bonacheirão como recebia os amigos na Pascoal para falar da vida alheia.
- Ah! filho - exclama sempre - há momentos nos quais eu desejava descer no Rio como o homem invisível de Wells e dar muita paulada nos bandidos de nossa terra.
E, na graça de quem, esvaziando copos, andou enchendo o tonel das Danaides, desfolha o caderno de suas anedotas mais recentes.
A vida, entretanto, não é mais idêntica à da Terra. Novos hábitos. Novas preocupações e panoramas novos. A minha situação é a de um enfermo pobre que se visse de uma hora para outra em luxuosa estação de águas, com as despesas custeadas pelos amigos. Restabelecendo a minha saúde, estudo e medito. E meu coração, ao descerrar as folhas diferentes dos compêndios do infinito, pulsa como o do estudante novo.
Sinto-me novamente na infância. Calço os meus tamanquinhos, visto as minhas calças curtas, arranjo-me às pressas com a má vontade dos garotos incorrigíveis, e vejo-me outra vez diante da mestra Sinhá, que me olha com indulgência através da sua tristeza de virgem desamada, e repito, apontando as letras na cartilha: - ABC...ABCDE...
Ah! meu Deus, estou aprendendo agora os luminosos alfabetos que os teus dedos imensos escreveram com giz de ouro resplandecente nos livros da natureza. Faze-me novamente menino para compreender a lição que me ensinas! Sei, hoje, relendo os capítulos da tua glória, porque vicejam na Terra os cardos e os jasmineiros, os cedros e as ervas, porque vivem os bons e os maus, recebendo, numa atividade promíscua, os benefícios da tua casa.
Não trago do mundo, Senhor, nenhuma oferenda para a tua grandeza! Não possuo senão o coração, exausto de sentir e bater, como um vaso de iniqüidades. Mas no dia em que te lembrares do mísero pecador, que te contempla no teu doce mistério, como lâmpada de luz eterna, em torno da qual bailam os sóis como pirilampos acesos dentro da noite, fecha os teus olhos misericordiosos para as minhas fraquezas e deixa cair nesse vaso imundo uma raiz de açucenas. Então, Senhor, como já puseste lume nos meus olhos, que ainda choram, plantarás o lírio da paz no meu coração, que ainda sofre e ainda ama.
Humberto de Campos
(Recebida em Pedro Leopoldo (MG), em 27 de março de 1935)
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Quinta-feira, 10.05.12
A Vida Imortal
O estudo do Universo conduz-nos ao estudo da alma, à investigação do princípio que nos anima e dirige-nos os atos.Já o dissemos: a inteligência não pode provir da matéria. A Fisiologia ensina-nos que as diferentes partes do corpo humano renovam-se em um lapso de tempo que não vai além de alguns meses. Sob a ação de duas grandes correntes vitais, produz-se em nós uma troca perpétua de moléculas. Aquelas que desaparecem do organismo são substituídas, uma a uma, por outras, provenientes da alimentação. Desde as substâncias moles do cérebro até as partes mais duras da estrutura óssea, tudo em nosso ser físico está submetido a continuas mutações. O corpo dissolve-se e, numerosas vezes durante a vida, reforma-se. Entretanto, apesar dessas transformações constantes, através das modificações do corpo material, ficamos sempre a mesma pessoa. A matéria do cérebro pode renovar-se, mas o pensamento é sempre idêntico a si mesmo e com ele subsiste a memória, a recordação de um passado de que não participou o corpo atual. Há, pois, em nós um princípio distinto da matéria, uma força indivisível que persiste e se mantém entre essas perpétuas substituições.Sabemos que, por si mesma, não pode a matéria organizar-se e produzir a vida. Desprovida de unidade, ela desagrega-se e divide-se ao infinito. Em nós, ao contrário, todas as faculdades, todas as potências intelectuais e morais grupam-se em uma unidade central que as abraça, liga e esclarece, e esta unidade é a consciência, a personalidade, o Eu, ou, por outra, a Alma.A alma é o princípio da vida, a causa da sensação; é a força invisível, indissolúvel que rege o nosso organismo e mantém o acordo entre todas as partes do nosso ser.[i] Nada de comum têm as faculdades da alma com a matéria. A inteligência, a razão, o discernimento, a vontade, não poderiam ser confundidos com o sangue das nossas veias ou com a carne do nosso corpo. O mesmo sucede com a consciência, esse privilégio que temos para medir os nossos atos, para discernir o bem do mal. Essa linguagem íntima, que se dirige a todo homem, ao mais humilde ou ao mais elevado, essa voz cujos murmúrios podem perturbar o estrondo das maiores glórias nada tem de material.Correntes contrárias agitam-se em nós. Os apetites, os desejos ardentes chocam-se de encontro à razão e ao sentimento do dever. Ora, se mais não fôssemos do que matéria, não conheceríamos essas lutas, esses combates; e entregar-nos-íamos, sem mágoa, sem remorsos, às nossas tendências naturais. Mas, ao contrário, a nossa vontade está em conflito freqüente com os nossos instintos. Por meio dela podemos escapar às influências da matéria, domá-la, transformá-la em instrumento dócil. Não se têm visto homens nascidos nas mais precárias condições vencerem todos os obstáculos, a pobreza, as enfermidades, os defeitos e chegarem à primeira classe por seus esforços enérgicos e perseverantes? Não se vê a superioridade da alma sobre o corpo afirmar-se, de maneira ainda mais positiva, no espetáculo dos grandes sacrifícios e das dedicações históricas? Ninguém ignora como os mártires do dever, da verdade revelada prematuramente, como todos aqueles que, pelo bem da Humanidade, têm sido perseguidos, supliciados, levados ao patíbulo, puderam, no meio das torturas, às portas da morte, dominar a matéria e, em nome de uma grande causa, impor silêncio aos gritos da carne dilacerada!Se mais não houvesse em nós que matéria, não veríamos, quando o corpo está mergulhado no sono, o Espírito continuar a viver e agir sem auxílio algum dos nossos cinco sentidos, e assim mostrar que uma atividade incessante é a condição própria da sua natureza. A lucidez magnética, a visão a distância sem o socorro dos olhos, a previsão de fatos, a penetração do pensamento são outras tantas provas evidentes da existência da alma.Assim, pois, fraco ou poderoso, ignorante ou esclarecido, somos um Espírito; regemos este corpo que mais não é, sob nossa direção, do que um servidor, um simples instrumento. Esse Espírito que somos é livre e perfectível, por conseguinte, responsável. Pode, à vontade, melhorar-se, transformar-se e inclinar-se para o bem.Confuso em uns, luminoso em outros, um ideal esclarece o caminho. Quanto mais elevado é esse ideal, tanto mais úteis e gloriosas são as obras que inspira. Feliz a alma que, em sua marcha, é sustentada por um nobre entusiasmo: amor da verdade e da Justiça, amor da pátria e da Humanidade! Sua ascensão será rápida, sua passagem por este mundo deixará traços profundos, sulcos de onde colherá uma messe bendita.*Estabelecida a existência da alma, o problema da imortalidade impõe-se desde logo. É essa uma questão da maior importância, porque a imortalidade é a única sanção que se oferece à lei moral, a única concepção que satisfaz as nossas idéias de Justiça e responde às mais altas esperanças da Humanidade.Se como entidade espiritual nos mantemos e persistimos através do perpétuo renovamento das moléculas e transformações do nosso corpo material, a desassociação e o desaparecimento final também não poderiam atingir-nos em nossa existência.Vimos que coisa alguma se aniquila no Universo. Quando a Química nos ensina que nenhum átomo se perde, quando a Física nos demonstra que nenhuma força se dissipa, como acreditar que esta unidade prodigiosa em que se resumem todas as potências intelectuais, que este eu consciente, em que a vida se desprende das cadeias da fatalidade, possa dissolver-se e aniquilar-se? Não só a lógica e a moral, mas também os próprios fatos – como estabeleceremos adiante –, fatos de ordem sensível, simultaneamente fisiológicos e psíquicos, tudo concorre, mostrando a persistência do ser consciente depois da morte, para nos provar que além do túmulo a alma se encontra qual ela própria se fez por seus atos e trabalhos, no curso da existência terrestre.Se a morte fosse a última palavra de todas as coisas, se os nossos destinos se limitassem a esta vida fugitiva, teríamos aspirações para um estado melhor, de que nada, na Terra, nada do que é matéria pode dar-nos a idéia? Teríamos essa sede de conhecer, de saber, que coisa alguma pode saciar? Se tudo cessasse no túmulo, por que essas necessidades, esses sonhos, essas tendências inexplicáveis? Esse grito poderoso do ser humano, que retumba através dos séculos, essas esperanças infinitas, esses impulsos irresistíveis para o progresso e para a luz mais não seriam, pois, que atributos de uma sombra passageira, de uma agregação de moléculas apenas formadas e logo esvaídas? Que será então a vida terrestre, tão curta que, mesmo em sua maior duração, não nos permite atingir os limites da Ciência; tão cheia de impotência, de amargor, de desilusão, que nela nada nos satisfaz inteiramente; onde, depois de acreditar termos conseguido o objeto de nossos desejos insaciáveis, nos deixamos arrastar para um alvo, sempre cada vez mais longínquo, mais inacessível? A persistência que temos em perseguir, apesar das decepções, um ideal que não é deste mundo, uma felicidade que nos foge sempre, é uma indicação firme de que há mais alguma coisa além da vida presente. A Natureza não poderia dar ao ser aspirações e esperanças irrealizáveis. As necessidades infinitas da alma reclamam forçosamente uma vida sem limites.
leon denis
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Quinta-feira, 10.05.12
O Universo e Deus
Acima dos problemas da vida e do destino levanta-se a questão de Deus.
Se estudamos as leis da Natureza, se procuramos o princípio das verdades morais que a consciência nos revela, se pesquisamos a beleza ideal em que se inspiram todas as artes, em toda parte e sempre, acima e no fundo de tudo, encontramos a idéia de um Ser superior, de um Ser necessário e perfeito, fonte eterna do Bem, do Belo e do Verdadeiro, em que se identificam a Lei, a Justiça e a suprema Razão.
O mundo físico ou moral é governado por leis, e essas leis, estabelecidas segundo um plano, denotam uma inteligência profunda das coisas por elas regidas. Não procedem de uma causa cega: o caos e o acaso não saberiam produzir a ordem e a harmonia. Também não emanam dos homens, pois que, seres passageiros, limitados no tempo e no espaço, não poderiam criar leis permanentes e universais. Para explicá-las logicamente, cumpre remontar ao Ser gerador de todas as coisas. Não se poderia conceber a inteligência sem personificá-la em um ser, mas esse ser não vem adaptar-se à cadeia dos seres. É o Pai de todos e a própria origem da vida.
Personalidade não deve ser entendida aqui no sentido de um ser com uma forma, porém, sim, como sendo o conjunto das faculdades que constituem um todo consciente. A personalidade, na mais alta acepção da palavra, é a consciência. É assim que Deus é antes a personalidade absoluta, e não um ser que tem uma forma e limites. Deus é infinito e não pode ser individualizado, isto é, separado do mundo, nem subsistir à parte.
Quanto a não se cogitar do estudo da causa primária, como inútil e incognoscível, conforme a expressão dos positivistas, perguntaremos se a um espírito sério é realmente possível comprazer-se na ignorância das leis que regulam as condições da sua existência. A indagação de Deus impõe-se, pois que ela é o estudo da grande Alma, do princípio da vida que anima o Universo e reflete-se em cada um de nós. Tudo se torna secundário quando se trata do princípio das coisas. A idéia de Deus é inseparável da idéia da Lei, principalmente da Lei moral, e sem o conhecimento desta nenhuma sociedade pode viver ou desenvolver-se. A crença em um ideal superior de justiça fortifica a consciência e sustenta o homem em suas provações. É a consolação, a esperança daqueles que sofrem, o supremo refúgio dos aflitos, dos abandonados. Como uma aurora, ela ilumina com seus brandos raios a alma dos desgraçados.
Sem dúvida, não se pode demonstrar a existência de Deus por provas diretas e sensíveis. Deus não se manifesta aos sentidos. A divindade ocultou-se em um véu misterioso, talvez para nos constranger a procurá-la, o que é o mais nobre e mais fecundo exercício da nossa faculdade de pensar, e também para nos deixar o mérito de descobri-la. Porém, existe em nós uma força, um instinto seguro que para ela nos conduz, afirmando-nos sua existência com maior autoridade do que todas as demonstrações e todas as análises.
Em todos os tempos, debaixo de todos os climas – e isto foi a razão de ser de todas as religiões –, sentiu o Espírito humano essa tendência inata que corresponde a uma necessidade do mundo: a propensão de elevar-se acima de todas as coisas móveis, perecíveis, que constituem a vida material, acima de tudo o que é vacilante, transitório e que lhe não pode dar uma completa satisfação, para só inclinar-se ao que é fixo, permanente, imutável no Universo, a alguma coisa de absoluto e de perfeito, em que identifique todas as potências intelectuais e morais, e que seja um ponto de apoio no seu caminhar avante. Acha tudo isso em Deus, pois, fora dEle, nada pode dar-nos essa segurança, essa certeza, essa confiança no futuro, sem as quais flutuamos à mercê da dúvida e da paixão.
Objetar-nos-ão, talvez, com o uso funesto que as religiões fizeram da idéia de Deus. Mas, que importam as formas extravagantes que os homens têm emprestado à Divindade? Para nós, mais não são que deuses quiméricos, criados pela razão débil das sociedades, essas formas poéticas, graciosas ou terríveis, apropriadas às inteligências que as conceberam. O pensamento humano, agora mais amadurecido, afastou-se dessas velhas formas; esqueceu esses fantasmas e os abusos cometidos em seu nome, a fim de se dirigir com impulso poderoso à Razão eterna, para Deus, Foco Universal da vida e do amor, em que nos sentimos viver, como o pássaro no ar ou o peixe no oceano, e por quem nos sentimos ligados a tudo o que existe, foi e será!
A idéia de que as religiões vieram de Deus apoiava-se em uma revelação pretensamente sobrenatural. Ainda hoje admitimos uma revelação das leis superiores, porém racional e progressiva, que ao nosso pensamento se patenteia pela lógica dos fatos e pelo espetáculo do mundo. Essa revelação acha-se escrita em dois livros sempre abertos perante os nossos olhos: o livro do Universo onde, em caracteres grandiosos, aparecem as obras divinas; o livro da Consciência, no qual estão gravados os preceitos da moral. As instruções dos Espíritos, colhidas em todos os pontos do globo por processos simples e naturais, não fazem mais que confirmá-la. É por meio desse duplo ensino que a razão humana se comunica, no seio da Natureza universal, com a razão divina, cujas harmonias e belezas então compreende e aprecia.
*
Na hora em que se estendem pela Terra o silêncio e a noite, quando tudo repousa nas moradas humanas, se erguemos os nossos olhos para o infinito dos céus, lá veremos inumeráveis luzes disseminadas. Astros radiosos, sóis flamejantes seguidos de seus cortejos de planetas rodopiam aos milhões nas profundezas. Até às mais afastadas regiões, grupos estelares desdobram-se como esteiras luminosas. Em vão, o telescópio sonda os céus, em parte alguma do Universo encontra limites; sempre mundos sucedendo a mundos, e sóis a sóis; sempre legiões de astros multiplicando-se, a ponto de se confundirem em poeira brilhante nos abismos infindáveis do espaço.
Quais as expressões humanas que vos poderiam descrever os maravilhosos diamantes do escrínio celeste? Sirius, vinte vezes maior que o nosso Sol, e este, a seu turno, equivalendo a mais de um milhão de globos terrestres reunidos; Aldebaran, Vega, Prócion, sóis rosados, azuis, escarlates, astros de opala e de safira, sóis que derramais pela extensão os vossos raios multicores, raios que, apesar de uma velocidade de setenta mil léguas por segundo, a nós só chegam depois de centenas e de milhares de anos! E vós, nebulosas longínquas, que produzis sóis, Universos em formação, cintilantes estrelas, apenas perceptíveis, que sois focos gigantescos de calor, luz, eletricidade e vida, mundos brilhantes, esferas imensas, e vós, povos inumeráveis, raças, humanidades siderais que os habitais! Nossa fraca voz tenta, em vão, proclamar a vossa majestade, o vosso esplendor; impotente, ela se cala, enquanto nosso olhar fascinado contempla o desfilar dos astros!
Mas, quando esse olhar abandona os vertiginosos espaços para repousar sobre os mundos vizinhos da Terra, sobre as esferas filhas do Sol, que, como a nossa, gravitam em torno do foco comum, que se observa em sua superfície? Continentes e mares, montes e bancos de gelo acumulados em redor dos pólos. Observamos que esses mundos possuem ar, água, calor, luz, estações, climas, dias, noites, em uma palavra, todas as condições da vida terrestre que nos permitem presumir neles a morada de outras famílias humanas, crer que são habitados, o têm sido, ou o serão em algum dia. Tudo isto, astros resplandecentes, centros de sistemas, planetas secundários, satélites, cometas vagabundos, está suspenso no espaço, agita-se, afasta-se, percorre órbitas determinadas e é levado em rapidez espantosa através das regiões infinitas da imensidade. Por toda parte, o movimento, a atividade e a vida manifestam-se no espetáculo do Universo, povoado de mundos inumeráveis, rolando sem repouso na profundeza dos céus!
Uma lei regula essa circulação formidável: a lei universal da gravitação. Só por si, sustém e faz mover os corpos celestes; ela, só, dirige em torno dos sóis luminosos os planetas obedientes. E essa lei rege tudo na Natureza, desde o átomo até o astro. A mesma força que, sob o nome de atração, retém os mundos em suas órbitas, também, sob o de coesão, grupa as moléculas e preside à formação dos corpos químicos.
Se, depois desse rápido olhar lançado sobre os céus, compararmos a Terra em que habitamos aos poderosos sóis que se baloiçam no éter, esta, ao pé deles, apenas nos aparecerá como um grão de areia, como um átomo flutuando no infinito. A Terra é um dos menores astros do céu. Entretanto, que harmonia em sua forma, que variedade em seus ornatos! Vede seus continentes recortados; suas penínsulas esguias e engrinaldadas de ilhas; vede seus mares imponentes, seus lagos, suas florestas e seus vegetais, desde o cedro que coroa o cimo das montanhas até a humilde florzinha oculta na verdura; enumerai os seres vivos que a povoam; aves, insetos e plantas, e reconhecereis que cada uma destas coisas é uma obra admirável, uma maravilha de arte e de precisão.
E o corpo humano não é um laboratório vivo, um instrumento cujo mecanismo chega à perfeição? Estudemos nele a circulação do sangue, esse conjunto de válvulas semelhantes às de uma máquina a vapor. Examinemos a estrutura dos olhos, esse aparelho tão complicado que excede tudo o que a indústria do homem pode sonhar; a construção dos ouvidos, tão admiravelmente dispostos para recolher as ondas sonoras; o cérebro, cujas circunvoluções internas se assemelham ao desabrochamento de uma flor. Consideremos tudo isso; depois, deixando o mundo visível, desçamos mais baixo na escala dos seres, penetremos nesses abismos da vida que o microscópio revela-nos; observemos esse formigar de raças e de espécies que confundem o pensamento. Cada gota d'água, cada grão de poeira é um mundo no qual os infinitamente pequenos são governados por leis tão exatas quanto as dos gigantes do espaço. Milhões de infusórios agitam-se nas gotas do nosso sangue, nas células dos corpos organizados. A asa da mosca e o menor átomo de matéria são povoados por legiões de parasitas. E todos esses animálculos são providos de aparelhos de movimento, de sistemas nervosos e de órgãos de sensibilidade que os fazem seres completos, armados para a luta e para as necessidades da existência. Até no seio do oceano, nas profundezas de oito mil metros, vivem seres delicados, débeis, fosforescentes, que fabricam luz e têm olhos para vê-la. Assim, em todos os meios imagináveis, uma fecundidade ilimitada preside à formação dos seres. A Natureza está em geração perpétua. Assim como a espiga se acha em germe no grão, o carvalho na bolota, a rosa em seu botão, assim também a gênese dos mundos elabora-se na profundeza dos céus estrelados. Por toda parte a vida engendra a vida. De degrau em degrau, de espécies em espécies, num encadeamento, ela eleva-se dos organismos mais simples, os mais elementares, até ao ser pensante e consciente; em uma palavra, até ao homem.
Uma poderosa unidade rege o mundo. Uma só substância, o éter ou fluido universal, constitui em suas transformações infinitas a inumerável variedade dos corpos. Esse elemento vibra sob a ação das forças cósmicas. Conforme a velocidade e o número dessas vibrações, assim se produz o calor, a luz, a eletricidade ou o fluido magnético. Condensem-se tais vibrações e logo os corpos aparecerão.
E todas essas formas se ligam, todas essas forças se equilibram, consorciam-se em perpétuas trocas, numa estreita solidariedade. Do mineral à planta, da planta ao animal e ao homem, do homem aos seres superiores, a apuração da matéria, a ascensão da força e do pensamento produzem-se em ritmo harmonioso. Uma lei soberana regula num plano uniforme as manifestações da vida, enquanto um laço invisível une todos os Universos e todas as almas.
Do trabalho dos seres e das coisas depreende-se uma aspiração para o infinito, para o perfeito. Todos os efeitos divergentes na aparência convergem realmente para um mesmo centro, todos os fins coordenam-se, formam um conjunto, evoluem para um mesmo alvo. E esse alvo é Deus, centro de toda a atividade, fim derradeiro de todo o pensamento e de todo o amor.
O estudo da Natureza mostra-nos, em todos os lugares, a ação de uma vontade oculta. Por toda parte a matéria obedece a uma força que a domina, organiza e dirige. Todas as forças cósmicas reduzem-se ao movimento e o movimento é o Ser, é a Vida. O materialismo explica a formação do mundo pela dança cega e aproximação fortuita dos átomos. Mas viu-se alguma vez o arremesso ao acaso das letras do alfabeto produzir um poema? E que poema o da vida universal! Já se viu, de alguma sorte, um amálgama de matérias produzir, por si mesmo, um edifício de proporções imponentes, ou um maquinismo de rodas numerosas e complicadas? Entregue a si mesma, nada pode a matéria. Inconscientes e cegos, os átomos não poderiam tender a um fim. Só se explica a harmonia do mundo pela intervenção de uma vontade. É pela ação das forças sobre a matéria, pela existência de leis sábias e profundas, que tal vontade se manifesta na ordem do Universo.
Objetam muitas vezes que nem tudo na Natureza é harmônico. Se produz maravilhas, dizem, cria também monstros. Por toda parte o mal ladeia o bem. Se a lenta evolução das coisas parece preparar o mundo para tornar-se o teatro da vida, cumpre não perder de vista o desperdício das existências e a luta ardente dos seres. Cumpre não esquecer que tempestades, tremores de terra, erupções vulcânicas desolam algumas vezes a Terra e destroem, em poucos momentos, os trabalhos de várias gerações.
Sim, sem dúvida, há acidentes na obra da Natureza, mas tais acidentes não excluem a idéia da ordem e de um desígnio; ao contrário, apóiam a nossa tese, pois poderíamos perguntar por que nem tudo é acidente.
A apropriação das causas aos efeitos, dos meios aos fins, dos órgãos entre si, sua adaptação às circunstâncias, às condições da vida são manifestas. A indústria da Natureza, análoga em bastantes pontos e superior à do homem, prova a existência de um plano, e a atividade dos elementos que concorrem para a sua realização denota uma causa oculta, infinitamente sábia e poderosa.
A objeção sobre o fato de existirem monstros provém de uma falta de observação. Estes mais não são que germes desviados. Se, ao sair, um homem quebra uma perna, torna-se por isso responsável a Natureza ou Deus? Assim também, em conseqüência de acidente, de desordens sucedidas durante a gestação, os germes podem sofrer desvio no útero materno. Estamos habituados a datar a vida desde o nascimento, desde a aparição à luz, e, entretanto, ela tem o seu ponto de partida muito mais longe.
O argumento arrancado à existência dos flagelos tem por origem uma falsa interpretação do alvo da vida. Não deve esta trazer-nos somente vantagens; é útil, é necessário que nos apresente também dificuldades, obstáculos. Todos nós nascemos e devemos morrer, e, no entanto, admiramo-nos de que certos homens morram por acidente! Seres passageiros neste mundo, de onde nada levamos para além, lamentamo-nos pela perda de bens materiais, de bens que, por si só, se teriam perdido em virtude das leis naturais! Esses acontecimentos espantosos, essas catástrofes, esses flagelos trazem consigo um ensino. Lembram que da Natureza não devemos só esperar coisas agradáveis, mas, principalmente, coisas propícias à nossa educação e ao nosso adiantamento; que não estamos neste mundo para gozar e adormecer na quietação, mas para lutar, trabalhar, combater. Demonstram que o homem não foi feito unicamente para a Terra, que deve olhar mais alto, dar-se às coisas materiais em justos termos e refletir que seu ser não se destrói com a morte.
A doutrina da evolução não exclui a das causas primárias e das causas finais. A alta idéia que se pode fazer de um ordenador é supô-lo formando um mundo capaz de se desenvolver por suas próprias forças, e não por uma intervenção incessante, por contínuos milagres.
A Ciência, à proporção que se adianta no conhecimento da Natureza, tem conseguido fazer recuar a idéia de Deus, mas esta se engrandece, recuando. O Ser eterno, do ponto de vista teórico, tornou-se tão majestoso como o Deus fantástico da Bíblia. O que a Ciência derruiu para sempre foi a noção de um Deus antropomorfo, feito à imagem do homem, e exterior ao mundo físico. Porém, a essa noção veio substituir uma outra mais elevada, a de Deus, imanente, sempre presente no seio das coisas. Para nós, a idéia de Deus não mais exprime hoje a de um ser qualquer, porém, sim, a do Ser que contém todos os seres.
O Universo não é mais essa criação, essa obra tirada do nada de que falam as religiões. É um organismo imenso animado de vida eterna. Assim como o nosso corpo é dirigido por uma vontade central que governa os seus atos e regula os seus movimentos, do mesmo modo que através das modificações da carne nos sentimos viver em uma unidade permanente a que chamamos Alma, Consciência, Eu, assim também o Universo, debaixo de suas formas cambiantes, variadas, múltiplas, reflete-se, conhece-se, possui-se em uma Unidade viva, em uma Razão consciente, que é Deus.
O Ser supremo não existe fora do mundo, porque este é a sua parte integrante e essencial. Ele é a Unidade central onde vão desabrochar e harmonizar-se todas as relações. É o princípio de solidariedade e de amor, pelo qual todos os seres são irmãos. É o foco de onde se irradiam e se espalham no infinito todas as potências morais: a Sabedoria, a Justiça e a Bondade.
Não há, portanto, criação espontânea, miraculosa; a criação é contínua, sem começo nem fim. O Universo sempre existiu; possui em si o seu princípio de força, de movimento. Traz consigo seu fito. O Universo renova-se incessantemente em suas partes; no conjunto, é eterno. Tudo se transforma, tudo evolui pelo jogo contínuo da vida e da morte, mas nada perece. Enquanto, nos céus, se obscurecem e se extinguem sóis, enquanto mundos envelhecidos desagregam-se e desfazem-se, em outros pontos, sistemas novos elaboram-se, astros se acendem e mundos vêm à luz. De par com a decrepitude e com a morte, humanidades novas desabrocham em eterno renovar.
E, através dos tempos sem-fim e dos espaços sem limites, a obra grandiosa prossegue pelo trabalho de todos os seres, solidários uns com os outros, e em proveito de cada um. O Universo oferece-nos o espetáculo de uma evolução incessante, para a qual todos concorrem, da qual todos participam. A essa obra gigantesca preside um princípio imutável. É a Unidade universal, unidade divina, que abraça, liga, dirige todas as individualidades, todas as atividades particulares, fazendo-as convergir para um fim comum, que é a Perfeição na plenitude da existência.
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Ao mesmo tempo em que as leis do mundo físico mostram-nos a ação de um sublime ordenador, as leis morais, por intermédio da consciência e da razão, falam-nos eloqüentemente de um princípio de justiça, de uma providência universal.
O espetáculo da Natureza, o aspecto dos céus, das montanhas, dos mares, apresentam ao nosso espírito a idéia de um Deus oculto no Universo.
A consciência mostra-o em nós, ou, antes, dá-nos alguma coisa dele, que é o sentimento do Dever e do Bem; é um ideal moral para onde tendem as faculdades do espírito e do coração. O dever ordena imperiosamente, impõe-se; sua voz domina todas as potências da alma. Possui uma força que impele os homens até ao sacrifício, até à morte. Por si só, dá à existência sua grandeza e sua dignidade. A voz da consciência é a manifestação em nós de uma Potência superior à matéria, de uma Realidade viva e ativa.
A razão igualmente nos fala de Deus. Os sentidos fazem-nos conhecer o mundo material, o mundo dos efeitos; a razão revela-nos o mundo das causas. A razão é superior à experiência. Esta verifica os fatos, a razão agrupa-os e deduz as suas leis. Por si só, demonstra que, na origem do movimento e da vida, se acha a inteligência; que o menor não pode conter o maior, nem o inconsciente produzir o consciente, fato este que, entretanto, resultaria da concepção de um universo que se ignorasse a si mesmo. A razão descobriu as leis universais antes da experiência; o que esta fez foi tão-somente confirmar as suas previsões e fornecer as provas. Porém, há graus na razão; ela não é igualmente desenvolvida em todos os homens. Daí a desproporção e a variedade de opiniões.
Se o homem soubesse recolher-se e estudar a si próprio, se sua alma desviasse toda a sombra que as paixões acumulam, se, rasgando o espesso véu em que o envolvem os preconceitos, a ignorância, os sofismas, descesse ao fundo da sua consciência e da sua razão, acharia aí o princípio de uma vida interior oposta inteiramente à vida externa. Poderia, então, entrar em relação com a Natureza inteira, com o Universo e Deus, e essa vida lhe daria um antegozo daquela que lhe reservam o futuro de além-túmulo e os mundos superiores. Aí também está o registro misterioso em que todos os seus atos, bons ou maus, ficam inscritos, em que todos os fatos de sua vida se gravam em caracteres indeléveis, para reaparecerem à hora da morte, como brilhante clarão.
Algumas vezes, uma voz poderosa, um canto grave e severo ergue-se dessas profundezas do ser, retumba no meio das ocupações frívolas e dos cuidados da nossa vida, a fim de chamar-nos ao dever. Infeliz daquele que recusa ouvi-la! Chegará o tempo em que o remorso ardente lhe ensinará que não se repelem impunemente as advertências da consciência.
Sim, há em cada um de nós fontes ocultas de onde podem brotar ondas de vida e de amor, virtudes, potências inumeráveis. É aí, é nesse santuário íntimo que cumpre procurar Deus. Deus está em nós, ou, pelo menos, há em nós um reflexo dEle. Ora, o que não existe não poderia ser refletido. As almas refletem Deus como as gotas do orvalho da manhã refletem os fogos do Sol, cada qual segundo o seu brilho e grau de pureza.
É por essa refração, por essa percepção interna, e não pela experiência dos sentidos, que os homens de gênio, os grandes missionários, os profetas conheceram Deus e suas leis, e revelaram-nas aos povos da Terra.
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Pode-se levar mais longe do que temos feito a definição de Deus? Definir é limitar. Em face deste grande problema, a fraqueza humana aparece. Deus impõe-se ao nosso espírito, porém escapa a toda análise. O Ser que enche o tempo e o espaço não será jamais medido por seres limitados pelo tempo e pelo espaço. Querer definir Deus seria circunscrevê-lo e quase negá-lo.
As causas secundárias da vida se explicam, mas a causa primária permanece inacessível em sua imensidade. Só chegaremos a compreendê-la depois de termos atravessado a morte bastantes vezes.
Para resumir, tanto quanto podemos, tudo o que pensamos referente a Deus, diremos que Ele é a Vida, a Razão, a Consciência em sua plenitude. É a causa eternamente operante de tudo o que existe. É a comunhão universal onde cada ser vai sorver a existência, a fim de, em seguida, concorrer, na medida de suas faculdades crescentes e de sua elevação, para a harmonia do conjunto.
Eis-nos bem longe do Deus das religiões, do Deus “forte e cioso” que se cerca de coriscos, reclama vítimas sangrentas e pune os réprobos por toda a eternidade. Os deuses antropomórficos passaram. Fala-se ainda muito de um Deus a quem são atribuídas as fraquezas e as paixões humanas, porém esse Deus vê todos os dias diminuir o seu império.
Até aqui o homem só viu Deus através de seu próprio ser, e a idéia que dele fez variava segundo o contemplava por uma ou outra de suas faculdades. Considerado pelo prisma dos sentidos, Deus é múltiplo; todas as forças da Natureza são deuses; assim nasceu o Politeísmo. Visto pela inteligência, Deus é duplo: espírito e matéria; daí o Dualismo. À razão esclarecida ele aparece triplo: alma, espírito e corpo. Esta concepção deu nascimento às religiões trinitárias da Índia e ao Cristianismo. Percebido pela vontade, faculdade soberana que resume todas as outras, compreendido pela intuição íntima, que é uma propriedade adquirida lentamente, assim como todas as faculdades do gênio, Deus é Uno e Absoluto. Nele se ligam os três princípios constitutivos do Universo para formarem uma Unidade viva.
Assim se explica a diversidade das religiões e dos sistemas, tanto mais elevados quanto têm sido concebidos por espíritos mais puros e mais esclarecidos. Quando se consideram as coisas por cima, as oposições de idéias, as religiões e os fatos históricos se explicam e se reconciliam numa síntese superior.
A idéia de Deus, debaixo das formas diversas em que o têm revestido, evolve entre dois escolhos nos quais esbarraram numerosos sistemas. Um é o Panteísmo, que conclui pela absorção final dos seres no grande Todo. Outro é a noção do infinito, que do homem afasta Deus, e por tal sorte que até parece suprimir toda a relação entre ambos.
A noção do infinito foi combatida por certos filósofos. Embora incompreensível, não se poderia abandoná-la, porque reaparece em todas as coisas. Por exemplo: que há de mais sólido do que o edifício das ciências exatas? O número é a sua base. Sem o número não há matemáticas. Ora, é impossível, decorressem mesmo séculos, encontrar o número que exprima a infinidade dos números cuja existência o pensamento nos demonstra. O número é infinito; o mesmo sucede com o tempo e com o espaço. Além dos limites do mundo invisível, o pensamento procura outros limites que incessantemente se furtam à sua apreensão.
Uma só filosofia parece ter evitado esse duplo escolho e conseguido aliar princípios opostos na aparência. É a dos druidas gauleses. Assim se exprimiam na tríade 48:
“Três necessidades de Deus: ser infinito em si mesmo, ser finito para com o finito, e estar em relação com cada estado das existências no círculo dos mundos.”
Assim, conforme este ensino, ao mesmo tempo simples e racional, o Ser infinito e Absoluto, por si próprio, faz-se relativo e finito com as suas criaturas, desvendando-se sem cessar sob aspectos novos, na medida do adiantamento e elevação das almas. Deus está em relação com todos os seres. Penetra-os com o seu espírito, abraça-os com o seu amor, para uni-los em um laço comum e assim auxiliá-los a realizar seus intentos nobres.
Sua revelação, ou, antes, a educação que Ele dá às humanidades faz-se gradual e progressivamente pelo ministério dos grandes Espíritos. A intervenção providencial está registrada na História por aparições em tempos prescritos, no seio dessas humanidades, pelas manifestações de almas eleitas, encarregadas de introduzirem nelas as inovações, as descobertas que acelerarão os seus progressos, ou de ensinar os princípios de ordem moral necessários à regeneração das sociedades.
O druidismo, em vez da teoria da absorção final dos seres em Deus, tinha a do ceugant, círculo superior que encerrava todos os outros, morada exclusiva do Ser divino. A evolução e o progresso das almas, prosseguindo infinitamente, não podiam ter fim.
*
Voltemos ao problema do mal, de que só incidentemente tratamos, e que a tantos pensadores tem preocupado.
Por que Deus, causa primária de tudo quanto existe, perguntam os cépticos, permite que no Universo subsista o mal?
Vimos que o mal físico, ou o que é considerado tal, em realidade não é mais que uma ordem de fenômenos naturais. O caráter maléfico destes ficou explicado desde que foi conhecida a verdadeira origem das coisas. A erupção de um vulcão não é mais extraordinária que a ebulição de um vaso cheio d'água. O raio que derriba edifícios e árvores é da mesma natureza que a centelha elétrica, veículo do nosso pensamento. Outro tanto sucede com qualquer fenômeno violento. Resta a dor física. Mas sabe-se que ela é a conseqüência da sensibilidade, e isso é já um magnífico conhecimento conquistado pelo ser depois de longos períodos que passou nas formas inferiores da vida. A dor é uma advertência necessária, um estimulante à vontade do homem, pois nos obriga a concentrarmos para refletir e força-nos a domar as paixões. A dor é o caminho do aperfeiçoamento.
Porém, o mal moral, dirão, o vicio, o crime, a ignorância, a vitória do mau e o infortúnio do justo, como explicá-los?
Primeiramente, em que ponto de vista se coloca quem pretende julgar estas coisas? Se o homem não vê senão uma partícula do mundo em que habita, se só considera a sua curta passagem pela Terra, como poderá conhecer a ordem eterna e universal? Para avaliar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto cumpre nos elevarmos acima dos estreitos limites da vida atual e considerar o conjunto dos nossos destinos. Então o mal aparece tal como é, como um estado transitório inerente ao nosso mundo, como uma das fases inferiores da evolução dos seres para o Bem. Não é em nosso mundo nem em nossa época que se deve procurar o ideal perfeito, mas na imensidade dos mundos e na eternidade dos tempos.
Entretanto, se seguirmos o aperfeiçoamento contínuo das condições vitais do planeta, a lenta evolução das espécies e das raças através das idades; se considerarmos o homem dos tempos pré-históricos, o antropóide das cavernas, com instintos ferozes, e as condições de sua vida miserável, e se compararmos depois esse ponto de partida com os resultados obtidos pela civilização atual, veremos claramente a tendência constante dos seres e das coisas para um ideal de perfeição. A própria evidência, mostrando-nos que a vida sempre se melhora, se transforma e se enriquece, que o montante do bem aumenta sem cessar e que o dos males diminui, obriga-nos a reconhecer esse encaminhamento gradual das humanidades para o melhor.
Mesmo pondo em linha de conta os tempos de parada e, algumas vezes, até os retrocessos nesse grande movimento, ninguém deve esquecer que o homem é livre e pode dirigir-se à vontade num sentido ou em outro, não sendo possível o seu aperfeiçoamento senão quando a vontade está de acordo com a lei.
O mal, oposição à lei divina, não pode ser obra de Deus; é, portanto, obra do homem, a conseqüência da sua liberdade. Porém o mal, como a sombra, não tem existência real; é, antes, um efeito de contraste. As trevas se dissipam diante da luz; assim também o mal se evapora logo que o bem aparece. Em uma palavra, o mal é a ausência do bem.
Diz-se algumas vezes que Deus bem poderia ter criado as almas perfeitas, para assim lhes poupar as vicissitudes e os males da vida terrestre. Sem nos ocuparmos de saber se Deus poderia formar seres semelhantes a si, responderemos que, se assim fosse, a vida e a atividade universais, a variedade, o trabalho, o progresso não mais teriam um fito e o mundo ficaria preso em sua imóvel perfeição. Ora, a magnífica evolução dos seres através dos tempos, a atividade das almas e dos mundos, elevando-se para o Absoluto, não é preferível a um repouso insípido e eterno? Um bem que não se tem merecido nem conquistado será mesmo um bem? E aquele que o obtivesse sem esforço poderia ao menos apreciar o seu valor?
Diante da vasta perspectiva de nossas existências, cada uma das quais é um combate para a luz, diante dessa ascensão prodigiosa do ser, elevando-se de círculos em círculos para o Perfeito, o problema do mal desaparece.
Sair das baixas regiões da matéria e ascender todos os degraus da imensa hierarquia dos Espíritos, libertar-se do jugo das paixões e conquistar uma a uma todas as virtudes, todas as ciências, tal é o fim para o qual a Providência formou as almas e dispôs os mundos, teatros predestinados a lutas e trabalhos.
Acreditemos nela e bendigamo-la! Acreditemos nessa Providência generosa, que tudo fez para o nosso bem; lembremo-nos de que, se parecem existir lacunas em sua obra, essas só provêm da nossa ignorância e da insuficiência da nossa razão. Acreditemos em Deus, grande espírito da Justiça no Universo. Tenhamos confiança em sua sabedoria, que reserva compensações a todos os sofrimentos, alegria a todas as dores, e avancemos de coração firme para os destinos que Ele nos escolheu.
É belo, é consolador e doce poder caminhar na vida com a fronte levantada para os céus, sabendo que, mesmo nas tempestades, no seio das mais cruéis provas, no fundo dos cárceres, como à beira dos abismos, uma Providência, uma lei divina paira sobre nós, rege os nossos atos, e que, de nossas lutas, de nossas torturas, de nossas lágrimas, fez sair a nossa própria glória e a nossa felicidade. É aí, nesses pensamentos, que está toda a força do homem de bem!
leon denis
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O CRISTIANISMO
Quinta-feira, 10.05.12
O Cristianismo
Conforme a História, é no deserto que ostensivamente aparece a crença no Deus único, a idéia-mãe de onde devia sair o Cristianismo. Através das solidões pedregosas do Sinai, Moisés, o iniciado do Egito, guiava para a terra prometida o povo por cujo intermédio o pensamento monoteísta, até então confinado nos Mistérios, ia entrar no grande movimento religioso e espalhar-se pelo mundo.
Ao povo de Israel coube um papel considerável. Sua história é como um traço de união que liga o Oriente ao Ocidente, a ciência secreta dos templos à religião vulgarizada. Apesar das suas desordens e das suas máculas, a despeito desse sombrio exclusivismo que é uma das faces do seu caráter, ele tem o mérito de haver adotado, até enraizar-se em si, esse dogma da unidade de Deus, cujas conseqüências ultrapassaram as suas vistas, preparando a fusão dos povos em uma família universal, debaixo de um mesmo Pai e sob uma só Lei.
Essa perspectiva, grandiosa e extensa, somente foi reconhecida ou pressentida pelos profetas que precederam a vinda do Cristo. Mas esse ideal oculto, prosseguindo, transformado pelo Filho de Maria, dele recebeu radiante esplendor, também comunicado às nações pagãs pelos seus discípulos. A dispersão dos judeus ainda mais auxiliou a sua difusão. Segundo sua marcha através das civilizações decaídas e das vicissitudes dos tempos, ele ficará gravado em traços indeléveis na consciência da Humanidade.
Um pouco antes da era atual, à proporção que o poder romano cresce e se estende, vê-se a doutrina secreta recuar, perder a sua autoridade. São raros os verdadeiros iniciados. O pensamento se materializa, os espíritos se corrompem. A Índia fica como adormecida num sonho: extingue-se a lâmpada dos santuários egípcios e a Grécia, assenhoreada pelos retóricos e pelos sofistas, insulta os sábios, proscreve os filósofos, profana os Mistérios. Os oráculos ficam mudos. A superstição e a idolatria invadem os templos. E a orgia romana se desencadeia pelo mundo, com suas saturnais, sua luxúria desenfreada, seus inebriamentos bestiais. Do alto do Capitólio, a prostituta saciada domina povos e reis. César, imperador e deus, se entroniza numa apoteose ensangüentada!
Entretanto, nas margens do Mar Morto, alguns homens conservam no recesso a tradição dos profetas e o segredo da pura doutrina. Os essênios, grupo de iniciados cujas colônias se estendem até o vale do Nilo, abertamente se entregam ao exercício da medicina, porém o seu fim real é mais elevado: consiste em ensinar, a um pequeno número de adeptos, as leis superiores do Universo e da vida. Sua doutrina é quase idêntica à de Pitágoras. Admitem a preexistência e as vidas sucessivas da alma; prestam a Deus o culto do espírito.
Nos essênios, como entre os sacerdotes de Mênfis, a iniciação é graduada e requer vários anos de preparo. Seus costumes são irrepreensíveis; passam a vida no estudo e na contemplação, longe das agitações políticas, longe dos enredos do sacerdócio ávido e invejoso.
Foi evidentemente entre eles que Jesus passou os anos que precederam o seu apostolado, anos sobre os quais os Evangelhos guardam um silêncio absoluto. Tudo o indica: a identidade dos seus intuitos com os dos essênios, o auxílio que estes lhe prestaram em várias circunstâncias, a hospitalidade gratuita que, a título de adepto, ele recebia, e a fusão final da ordem com os primeiros cristãos, fusão de que saiu o Cristianismo esotérico.
Mas, na falta de iniciação superior, o Cristo possuía uma alma bastante vasta, bem superabundante de luz e de amor, para nela sorver os elementos da sua missão. Jamais a Terra viu passar maior Espírito. Uma serenidade celeste envolvia-lhe a fronte. Nele se uniam todas as perfeições para formarem um tipo de pureza ideal, de inefável bondade.
Há em seu coração imensa piedade pelos humildes, pelos deserdados. Todas as dores humanas, todos os gemidos, todas as misérias encontram nele um eco. Para acalmar esses males, para secar essas lágrimas, para consolar, para curar, para salvar, ele irá ao sacrifício de a própria vida oferecer em holocausto a fim de reerguer a Humanidade. Quando, pálido, se dirige para o Calvário e é pregado ao madeiro infamante, encontra ainda em sua agonia a força de orar por seus carrascos e de pronunciar estas palavras que nenhum impulso de ternura ultrapassará jamais:
“Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!” Entre os grandes missionários, o Cristo, o primeiro de todos, comunicou às multidões as verdades que até então tinham sido o privilégio de pequeno número. Para ele, o ensino oculto tornava-se acessível aos mais humildes, senão pela inteligência ao menos pelo coração, e lhes oferecia esse ensino sob formas que o mundo não tinha conhecido, com uma potência de amor, uma doçura penetrante e uma fé comunicativa que faziam fundir os gelos do cepticismo, eletrizar os ouvintes e arrastá-los após si.
O que ele chamava “pregar o Evangelho do reino dos céus aos simples” era pôr ao alcance de todos o conhecimento da imortalidade e o do Pai comum. Os tesouros intelectuais, que os adeptos avaros só distribuíam com prudência, o Cristo os espalhava pela grande família humana, por esses milhões de seres, curvados sobre a Terra, que nada sabiam do destino e que esperavam, na incerteza e no sofrimento, a palavra nova que os devia consolar e reanimar. Essa palavra, esse ensino, ele distribuiu sem contar e lhes deu a consagração do seu suplício e da sua morte. A cruz, esse símbolo antigo dos iniciados, que se encontra em todos os templos do Egito e da Índia, tornou-se, pelo sacrifício de Jesus, o sinal da elevação da Humanidade, tirada do abismo das trevas e das paixões inferiores, para ter enfim acesso à vida eterna, à vida das almas regeneradas.
O sermão da montanha condensa e resume o ensino popular de Jesus. Aí se mostra a lei moral com todas as suas conseqüências; nele os homens aprendem que as qualidades brilhantes não fazem sua elevação nem sua felicidade, mas que só poderão isto conseguir pelas virtudes modestas e ocultas – a Humildade, a Bondade, a Caridade:
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque é para eles o reino dos céus. – Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. – Bem-aventurados os que têm fome de Justiça, porque serão saciados. – Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. – Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus.”
Assim se exprime Jesus. Suas palavras patenteiam ao homem perspectivas inesperadas. É no mais recôndito da alma que está a origem das alegrias futuras: “O reino dos céus está dentro de vós!” E cada um consegue realizá-lo pela subjugação dos sentidos, pelo perdão das injúrias e pelo amor ao próximo.
Para Jesus, no amor encerra-se toda a religião e toda a filosofia.
“Amai vossos inimigos; fazei bem àqueles que vos perseguem e caluniam, a fim de que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, que faz com que o Sol tanto se levante para os bons como para os maus; que faz chover sobre os justos e injustos. Porque, se só amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis vós?”
Esse amor é Deus mesmo quem no-lo exemplifica, pois os seus braços estão sempre abertos ao arrependido. É o que se depreende das parábolas do filho pródigo e da ovelha desgarrada:
“Assim vosso Pai que está nos céus não quer que pereça um só de seus filhos.”
Não será isto a negação do inferno, cuja idéia se atribuiu a Jesus?
Se o Cristo mostra algum rigor e fala com veemência, é a esses fariseus hipócritas que torcem a lei moral, entregando-se às práticas minuciosas de devoção.
A seus olhos é mais louvável o samaritano cismático do que o sacerdote e o levita que desdenham socorrer um ferido. Ele desaprova as manifestações do culto exterior e levanta-se contra esses sacerdotes:
“Cegos condutores de cegos, homens de rapina e de corrupção que, a pretexto de longas preces, devoram os bens das viúvas e dos órfãos.”
Aos devotos que acreditam salvar-se pelo jejum e abstinência, diz:
“Não é o que entra pela boca que mancha o homem, mas o que dela sai.”
Aos partidários de longas orações, responde:
“Vosso Pai sabe aquilo de que tendes necessidade, antes que lho peçais.”
Jesus condenava o sacerdócio, recomendando aos seus discípulos não escolherem nenhum chefe, nenhum mestre. Seu culto era íntimo, o único digno de espíritos elevados, e a respeito do qual assim se exprime:
“Vai chegar o tempo em que os verdadeiros crentes adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque são estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e cumpre que os seus filhos o adorem em espírito e verdade.”
O Cristo só impõe a prática do bem e da fraternidade:
“Amai vosso próximo como a vós mesmos e sede perfeitos assim como vosso Pai celeste é perfeito. Eis toda a lei e os profetas.”
Em sua simplicidade eloqüente, este preceito revela o fim mais elevado da iniciação – a pesquisa da perfeição, que é, ao mesmo tempo, a do conhecimento e da felicidade. Ao lado desses ensinos que se dirigem aos simples, Jesus também deixou outros, onde a doutrina oculta dos Espíritos é reproduzida em traças de luz. Nem todos podiam subir a tais alturas e eis por que os tradutores e intérpretes do Evangelho alteraram, através dos séculos, a sua forma e corromperam-lhe o sentido. Apesar das alterações, é fácil reconstituir esse ensino a quem se liberta da superstição da letra para ver as coisas pela razão e pelo espírito. É principalmente no Evangelho de S. João que encontraremos feição ainda mais acentuada:
“Há diversas moradas na casa de meu pai. Vou preparar o vosso lugar e, depois que eu for e tudo houver arranjado, voltarei e vos chamarei a mim, para que onde eu estiver também vos encontreis.”
A casa do Pai é o céu infinito com os mundos que o povoam e a vida imensa, prodigiosa, que se espalha na sua superfície. São as inumeráveis estações na nossa jornada, que somos chamados a conhecer se seguirmos os preceitos de Jesus. Ele descerá até nós para induzir-nos, por exemplo, à conquista dos mundos superiores à Terra.
No Evangelho também se nos depara a afirmação das vidas sucessivas da alma:
“Em verdade, se o homem não renascer de novo não poderá entrar no reino de Deus. – O que nasce da carne é carne, o que nasce do espírito, é espírito. – Não vos admireis do que vos digo, pois é necessário nascerdes de novo. – O espírito sopra onde quer e entendeis a sua voz, mas não sabeis donde ela vem, nem para onde vai; também sucede o mesmo com todo homem que nasce do espírito.”
Quando os seus discípulos lhe interrogam: “Por que dizem os escribas que é preciso primeiro que Elias volte?”
Ele responde: “Elias já voltou, porém não o reconheceram.”
E os discípulos compreendem então que Jesus se referia a João Batista. Ainda em outra ocasião diz o seguinte:
“Em verdade, entre todos os filhos de mulher nenhum há maior que João Batista. E se quiserdes entender, é ele mesmo Elias que deve vir. Que ouça aquele que tem ouvidos para ouvir.”
O alvo a que tende cada um de nós e a sociedade inteira está claramente indicado. É o reinado do “Filho do homem”, do Cristo social, ou, em outros termos, o reinado da Verdade, da Justiça e do Amor. As vistas de Jesus dirigem-se para o futuro, para esses tempos que nos são anunciados.
“Enviar-vos-ei o Consolador. – Tinha ainda muitas coisas a dizer-vos, porém ainda não poderíeis compreendê-las. – Quando vier esse Espírito de Verdade, ele vo-las ensinará e restabelecerá tudo no seu sentido verdadeiro.”
Algumas vezes, o Cristo resumia as verdades eternas em imagens grandiosas, em traços brilhantes. Nem sempre os apóstolos o compreendiam, mas ele deixava aos séculos e aos acontecimentos o cuidado de fazer frutificar esses princípios na consciência da Humanidade, como a chuva e o Sol fazem germinar a semente confiada à terra. É nesse sentido que assim se exprimiu: “O céu e a Terra passarão, porém não as minhas palavras.”
Jesus dirigia-se pois simultaneamente ao espírito e ao coração. Aqueles que não tivessem podido compreender Pitágoras e Platão, sentiam suas almas comoverem-se aos eloqüentes apelos do Nazareno. É por aí que a doutrina cristã domina todas as outras. Para atingir a sabedoria, era preciso, nos santuários do Egito e da Grécia, franquear os degraus de uma longa e penosa iniciação, ao passo que pela caridade todos podiam tornar-se bons cristãos e irmãos em Jesus.
Mas, com o tempo, as verdades transcendentais se velaram. Aqueles que as possuíam foram suplantados pelos que acreditavam saber e o dogma material substituiu a pura doutrina. Dilatando-se, o Cristianismo perdeu em valor o que ganhava em extensão.
A ciência profunda de Jesus vinha juntar-se à potência fluídica do iniciado superior, da alma livre do jugo das paixões, cuja vontade domina a matéria e impera sobre as forças sutis da Natureza. O Cristo possuía a dupla vista; seu olhar sondava os pensamentos e as consciências; curava com uma palavra, com um sinal, ou mesmo somente bastando a sua presença. Eflúvios benéficos se lhe escapavam do ser e à sua ordem os maus espíritos se afastavam. Comunicava-se facilmente com as potências celestes e, nas horas de provação, alentava desse modo a força moral que lhe era necessária em sua viagem dolorosa. No Tabor, seus discípulos, deslumbrados, o vêem conversar com Moisés e Elias. É assim mesmo que mais tarde, depois de crucificado, Jesus lhes aparece na irradiação do seu corpo fluídico, etéreo, desse corpo a que Paulo se refere nos seguintes termos: “Há em cada homem um corpo animal e um corpo espiritual.” A existência desse corpo espiritual está demonstrada pelas experiências da psicologia moderna.
Não podem ser postas em dúvida tais aparições, pois explicam por si só a persistência da idéia cristã. Depois do suplício do Mestre e da dispersão dos discípulos, o Cristianismo estava moralmente morto. Foram, porém, as aparições e as conversas de Jesus que restituíram aos apóstolos sua energia e sua fé.
*
Negaram certos autores a existência do Cristo e atribuíram a tradições anteriores ou à imaginação oriental tudo o que a respeito foi escrito. Nesse sentido, produziu-se um movimento de opinião, tendente a reduzir às proporções de lenda as origens do Cristianismo.
É verdade que o Novo Testamento contém muitos erros. Vários acontecimentos por ele relatados encontram-se na história de outros povos mais antigos e certos fatos atribuídos ao Cristo figuram igualmente na vida de Krishna e na de Horus. Mas, também existem outras e numerosas provas da existência de Jesus de Nazaré, provas tanto mais peremptórias quanto foram fornecidas pelos próprios adversários do Cristianismo. Todos os rabinos israelitas reconheciam essa existência e dela fala o Talmude nos seguintes termos:
“Na véspera da páscoa foi Jesus crucificado, por se ter entregado à magia e aos sortilégios.”
Tácito e Suetônio mencionam também o suplício de Jesus e o rápido desenvolvimento das idéias cristãs. Plínio, o moço, governador da Bitínia, cinqüenta anos mais tarde, explica esse movimento a Trajano, num relatório que foi conservado.
Como admitir, outrossim, que a crença em um mito houvesse bastado para inspirar aos primeiros cristãos tanto entusiasmo, coragem e firmeza em face da morte; que lhes tivesse dado os meios de derribarem o Paganismo, de se apossarem do império romano e, de século em século, invadirem todas as nações civilizadas? Não é sobre uma ficção que se funda solidamente uma religião que dura vinte séculos e revoluciona metade do mundo. E, se nos remontarmos da grandeza dos efeitos à força das causas que os produziram, pode-se com certeza dizer que há sempre uma personalidade eminente na origem de uma grande idéia.
Quanto às teorias que de Jesus fazem uma das três pessoas da Trindade, ou um ser puramente fluídico, uma e outra parecem igualmente pouco fundadas. Pronunciando estas palavras: “De mim se afaste este cálice”, Jesus revelou-se homem, sujeito ao temor e aos desfalecimentos. Como nós, sofreu, chorou e esta fraqueza inteiramente humana, aproximando-nos dele, o faz ainda mais nosso irmão, tornando seus exemplos e suas virtudes mais admiráveis ainda.
O advento do Cristianismo teve resultados incalculáveis. Trouxe ao mundo a idéia humanitária que os antigos não conheceram em toda a sua plenitude. Tal idéia, encarnada na pessoa de Jesus, penetrou pouco a pouco os espíritos e hoje se manifesta no Ocidente com todas as conseqüências sociais que se lhe prendem. A esta idéia, ele acrescentava as da lei moral e da vida eterna, que até aí tinham sido somente do domínio dos sábios e dos pensadores. Desde então, o dever do homem seria preparar por todas as suas obras, por todos os seus atos da vida social e individual, o reinado de Deus, isto é, o do Bem, da Verdade e da Justiça. “Venha a nós o vosso reino, assim na Terra como no céu.”
Mas, esse reinado só se pode realizar pelo aperfeiçoamento de todos, pela melhoria constante das almas e das instituições. Essas noções encerram, pois, em si, uma potência ilimitada de desenvolvimento. E não nos devemos admirar que depois de vinte séculos de incubação, de trabalho obscuro, elas comecem apenas a produzir os seus efeitos na ordem social. O Cristianismo continha, no estado virtual, todos os elementos do Socialismo, mas desviou-se deles desde os primeiros séculos, e os princípios verdadeiros, tornando-se desconhecidos pelos seus representantes oficiais, passaram para a consciência dos povos, para a alma desses mesmos que, não se acreditando ou não se dizendo cristãos, trazem inconscientemente em si o ideal sonhado por Jesus.
Não é, pois, na Igreja nem nas instituições do pretenso direito divino, o qual outra coisa não é que o reinado da força, onde se deve procurar a herança do Cristo. Essas, em realidade, não passam de instituições pagãs ou bárbaras. O pensamento de Jesus, agora, só vive na alma do povo. É por seus esforços para elevar-se, é por suas aspirações para um estado social mais conforme à Justiça e à Solidariedade, que se revela essa grande corrente humanitária, cuja nascente está no alto do Calvário e cujas ondas nos arrastam para um futuro que jamais conhecerá as vergonhas do pauperismo, da ignorância ou da guerra.
O Catolicismo desnaturou as belas e puras doutrinas do Evangelho com falsas concepções de salvação pelas indulgências ou graças, de pecado original, de inferno e de redenção. Porém, o Catolicismo, na obra do Cristianismo, não passa em realidade de um elemento parasita, que parece ter tomado à Índia sua organização hierárquica, seus sacramentos e símbolos.
Numerosos concílios têm, em todos os séculos, discutido a Bíblia, modificado os textos, proclamado novos dogmas, afastando-se cada vez mais dos preceitos do Cristo. O fausto e a simonia invadiram o culto. A Igreja dominou o mundo pelo terror, pela ameaça com os suplícios e, no entanto, Jesus queria reinar pelo amor e pela caridade. Armou uns povos contra outros, animou e tornou sistemática a perseguição, fez correr rios de sangue.
Em vão a Ciência, em sua marcha progressiva, assinalou as contradições que existem entre o ensino católico e a ordem real das coisas; a Igreja não trepidou em maldizê-la como invenção de Satanás. Um abismo agora separa as doutrinas romanas da antiga sabedoria dos iniciados, que foi a mãe do Cristianismo. O materialismo aproveitou-se deste estado de coisas e implantou em toda parte as suas raízes vivazes.
Por outro lado, sensivelmente se enfraqueceu o sentimento religioso. O dogma não exerce atualmente influência alguma sobre a vida das sociedades. Fatigada dos embaraços em que a tinham envolvido, a alma humana atirou-se para a luz; despedaçou esses frouxos laços para unir-se aos grandes espíritos, que não pertencem a uma seita nem a uma raça determinada, mas cujo pensamento alumia e aquece a Humanidade inteira. Livre de qualquer tutela sacerdotal, ela quer, para o futuro, pensar, proceder e viver por si mesma.
Só queremos falar do Catolicismo com moderação. Essa religião, não o esqueçamos, foi a de nossos pais; embalou inumeráveis gerações. A moderação, porém, não exclui o exame. Ora, duma análise séria resulta isto: a Igreja infalível enganou-se, tanto na sua concepção física do Universo, como na sua idéia moral da vida humana. A Terra não é o corpo central mais importante do Universo, nem a vida presente é o único teatro das nossas lutas e do nosso progresso. O trabalho não é um castigo, mas sim um meio regenerador pelo qual se fortifica e eleva a Humanidade. O Catolicismo, pela sua falsa idéia da vida, foi conduzido ao ódio do progresso e da civilização, e este sentimento está, sem nenhuma reserva, expresso no último artigo do Syflabus:
“Anátema sobre esses que pretendem que o pontífice romano deve reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna.”
O Catolicismo atribui ao Ser Supremo fraquezas iguais às nossas. Faz dele uma espécie de carrasco que vota aos últimos suplícios os seres débeis, obra das suas mãos. Os homens, criados para a felicidade, sucumbem em multidão às tentações do mal e vão povoar os infernos. Assim, sua impotência iguala sua imprevidência, e Satanás é mais hábil que Deus.
Será esse o Pai que Jesus nos faz conhecer, quando nos recomenda, em seu nome, o esquecimento das ofensas; quando nos aconselha dar o bem pelo mal e nos prega a piedade, o amor, o perdão? O homem compassivo e bom será, portanto, superior a Deus?
É verdade que, para intentar a salvação do mundo, Deus sacrifica o seu próprio filho, membro da Trindade e parte de si mesmo, o que é cair ainda num erro monstruoso e justificar a alusão de Diderot: “Deus matou Deus para apaziguar Deus.”
O Catolicismo, nos tempos de perseguição, escavou bastantes cárceres, ateou muitas fogueiras, inventou torturas inauditas. Porém tudo isso é pouco ao lado da influência perniciosa que derramou sobre as almas. Não só torturou os corpos, mas também obscureceu as consciências pela superstição, turvou as inteligências pela idéia terrível e sombria de um Deus vingador. Ensinou a abafar as dúvidas, a aniquilar a razão e as mais belas faculdades, a fugir, como de animais ferozes, de todos os que livre e sinceramente procuravam a verdade e a estimular somente aqueles que suportavam o mesmo jugo. As cruzadas do Oriente e do Ocidente, os autos-de-fé e a Inquisição são males menores do que essa tirania secular e do que esse espírito de seita, carolice e intolerância, em cujo meio se velou a inteligência e se falseou o discernimento de centenas de milhões de homens.
Depois, ao lado do ensino errôneo, os abusos sem-número, as preces e as cerimônias tarifadas, a tabela dos pecados, a confissão, as relíquias, o purgatório, o resgate das almas, enfim, os dogmas da infalibilidade do papa e da Imaculada Conceição, o poder temporal, violação flagrante deste preceito do Deuteronômio (capítulo 18º, versículos 1 e 2): que proíbe aos sacerdotes “possuírem bens da Terra e co-participarem de qualquer herança, porque o Senhor é que é a sua herança”; tudo isto mostra a distância que separa as concepções católicas dos verdadeiros ensinos do Evangelho.
Contudo, a Igreja fez obra útil. Teve suas épocas de grandeza. Opôs diques à barbaria, cobriu o mundo com instituições de beneficência. Mas, como que petrificada em seus dogmas, ela se imobiliza, enquanto em torno de si tudo caminha e avança; de dia em dia, a Ciência avulta e a razão humana se enriquece.
Nada escapa à lei do progresso, e as religiões são como tudo o mais. Puderam corresponder às necessidades de uma época e de um estado social atrasados, porém chega o tempo em que, encerradas nas suas fórmulas como num círculo de ferro, devem resignar-se a morrer. É a situação do Catolicismo. Tendo dado à História tudo o que lhe podia oferecer e tornando-se impotente para fecundar o Espírito humano, este o abandona e, em sua marcha incessante, adianta-se para concepções mais vastas e elevadas. Mas, nem por isso perecerá a idéia cristã; esta somente se transformará para reaparecer sob forma nova e mais depurada. Chegará a ocasião em que o Catolicismo, seus dogmas e práticas mais não serão que vagas reminiscências quase apagadas da memória dos homens, como o são para nós os paganismos romano e escandinavo. A grande figura do Crucificado dominará os séculos e três coisas subsistirão do seu ensino, por serem a expressão da verdade eterna: a unidade de Deus, a imortalidade da alma e a fraternidade humana.
*
Apesar das perseguições religiosas, a doutrina secreta perpetuou-se através dos séculos e o seu vestígio é encontrado em toda a Idade Média.
Já os iniciados judaicos, em época remota, a tinham registrado em duas obras célebres: o Zohar e o Sepher-Yetzirah. O seu conjunto forma a Cabala, uma das obras capitais da ciência esotérica.
No Cristianismo primitivo sente-se perfeitamente acentuado o seu cunho. Os primeiros cristãos acreditavam, com efeito, na preexistência e na sobrevivência da alma em outros corpos, como já vimos a propósito das perguntas feitas a Jesus sobre João Batista e Elias, e também da que os apóstolos fizeram relativamente ao cego de nascença, que parecia “ter atraído esta punição por pecados cometidos antes de nascer”. A idéia da reencarnação estava espalhada de tal forma entre o povo judeu, que o historiador Josefo censurou os fariseus do seu tempo, por não admitirem a transmigração das almas senão entre as pessoas de bem. Os cristãos entregavam-se às evocações e comunicavam-se com os Espíritos dos mortos. Encontram-se nos Atos dos Apóstolos numerosas indicações sobre este ponto; São Paulo, em sua primeira Epístola aos Coríntios, descreve, sob o nome de dons espirituais, todas as espécies de mediunidade. Ele se declara instruído diretamente pelo Espírito de Jesus na verdade evangélica.
Atribuíam-se algumas vezes essas inspirações aos maus Espíritos, aos quais certas pessoas chamavam espírito de Píton:
“Meus bem-amados, dizia João Evangelista, não acrediteis em qualquer espírito, mas vede se os espíritos são de Deus.”
Durante vários séculos, estiveram em uso as práticas espíritas.
Quase todos os filósofos de Alexandria, Fílon, Amônio Sakas, Plotino, Porfírio, Arnóbio, se dizem inspirados por gênios superiores; São Gregório, taumaturgo, recebe os símbolos da fé do Espírito de São João.
A escola de Alexandria resplandecia então com a mais viva claridade, pois todas as grandes correntes do pensamento pareciam aí convergir e se confundir. Essa célebre escola havia produzido uma plêiade de espíritos brilhantes que se esforçavam por fundir a filosofia de Pitágoras e de Platão com as tradições da Cabala judaica e com os princípios do Cristianismo. Esperavam assim formar uma doutrina definitiva de largas e poderosas perspectivas, uma religião universal e imorredoura. Era esse o sonho de Fílon. Como Sócrates, esse grande pensador teve um Espírito familiar que o assistia, inspirava e fazia escrever durante o sono. Também sucedia o mesmo com Amônius e Plotino, os quais, diz Porfiro, eram inspirados por Gênios, “não os que são chamados demônios, mas sim os que são designados como deuses”. Plotino escreveu um livro sobre os Espíritos familiares.
Como esses filósofos, Jâmblico também era versado na teurgia e comunicava-se com o mundo invisível. De todos os campeões do Cristianismo esotérico, Orígenes é o mais conhecido. Esse homem de gênio, que se tornou um grande filósofo e um santo, estabeleceu nas suas obras que a desigualdade dos seres é conseqüência dos seus méritos diversos. As únicas penas, conformes à bondade e à justiça divinas, são, diz ele, as penas medicinais, as que têm por efeito a purificação progressiva das almas nas séries das existências, antes de merecerem admissão no céu. Entre os padres da Igreja, muitos participavam dessas opiniões e apoiavam-se nas revelações dos Espíritos aos profetas ou médiuns.
Tertuliano assim se exprime num trecho da sua Apologética:
“Se é permitido aos mágicos fazer aparecer fantasmas, evocar as almas dos mortos, obrigar os lábios duma criança a proferir oráculos... se eles têm às suas ordens espíritos mensageiros, pela virtude dos quais as mesas profetizam, quanto maior zelo e solicitude não empregarão esses espíritos poderosos para operarem por conta própria o que executam com auxílio de outrem.”
Santo Agostinho, o grande bispo da Hipona, no seu tratado De Cura pra Mortais, fala das manifestações ocultas e ajunta:
“Por que não atribuir esses fatos aos espíritos dos finados e deixar de acreditar que a divina Providência faz de tudo um uso acertado, para instruir os homens, consolá-los e induzi-los ao bem?”
Na sua obra Cidade de Deus, tratando do corpo fluídico, etéreo, suave, que é o invólucro da alma e que conserva a imagem do corpo material, esse padre da Igreja fala das operações teúrgicas, conhecidas sob o nome de Télêtes, que o punham em condições de se comunicar com os Espíritos e os anjos, e de ter visões admiráveis.
Quanto à pluralidade das vidas, afirmada por Orígenes e que Santo Agostinho parece em certos casos combater, pode-se até dizer que ela está estabelecida no seguinte trecho da obra deste:
“Estou convencido de que se achará no Platonismo muitas coisas que não repugnam aos nossos dogmas... A voz de Platão, a mais pura e brilhante que tem havido na filosofia, está inteiramente reproduzida em Platino e lhe é tão semelhante que parecem contemporâneos; entretanto, há um intervalo de tempo tão grande entre os dois, que o primeiro parece até estar ressuscitado no segundo.”
São Clemente de Alexandria e São Gregório de Nice exprimem-se no mesmo sentido. Este último expõe que “a alma imortal deve ser melhorada e purificada; se ela não o foi na existência terrestre, o aperfeiçoamento se opera nas vidas futuras e subseqüentes”.
Tais revelações tinham-se tornado outros tantos embaraços à Igreja oficial. Nelas iam os heréticos basear seus argumentos e sua força; abalada se achava a autoridade do sacerdócio. Com a reencarnação, com o resgate das faltas cometidas, pela prova e pelo trabalho na sucessão das vidas, a morte deixava de ser um motivo de terror; cada qual a si mesmo se libertava do purgatório terrestre por seus esforços e progressos, e o sacerdote perdia a razão de ser. Já não podendo a Igreja abrir à vontade as portas do paraíso e do inferno, via diminuir o seu poder e prestígio.
Julgou, portanto, necessário impor silêncio aos partidários da doutrina secreta, renunciar a toda comunicação com os Espíritos e condenar os ensinos destes como inspirados pelo demônio.
Desde esse dia Satanás foi ganhando cada vez mais importância na religião católica. Tudo o que a esta embaraçava foi-lhe atribuído. A Igreja declarou-se a única profecia viva e permanente, a única intérprete de Deus. Orígenes e os gnósticos foram condenados pelo Concílio de Constantinopla (553); a doutrina secreta desapareceu com os profetas e a Igreja pôde executar à vontade a sua obra de absolutismo e de imobilização.
Viu-se então os sacerdotes romanos perderem de vista a luz que Jesus tinha trazido a este mundo e recaírem na obscuridade. A noite que quiseram para os outros fez-se neles mesmos. O templo deixou de ser, como nos tempos antigos, o asilo da verdade. E esta abandonou os altares para buscar um refúgio oculto. Desceu às classes pobres; foi inspirar humildes missionários, apóstolos obscuros que sob o nome do Evangelho de São João procuravam restabelecer, em diferentes pontos da Europa, a simples e pura religião de Jesus, a religião da igualdade e do amor. Porém estas doutrinas foram asfixiadas pela fumaça das fogueiras, ou afogadas em lagos de sangue.
Toda a história da Idade Média está cheia dessas tentativas do pensamento, desse despertar imponente, vindo depois as reações do despotismo religioso e monárquico, e períodos de triste silêncio.
A ciência sagrada, porém, estava guardada sob diferentes aspectos por diversas ordens secretas. Os Alquimistas, Templários, Rosa-Cruzes e outros lhe conservavam os princípios. Os Templários foram encarniçadamente perseguidos pela Igreja oficial. Esta temia extraordinariamente as escolas secretas e o império que elas exerciam sobre as inteligências. Sob o pretexto de feitiçaria e de pactos com o diabo, as destruía quase todas a ferro e fogo.
O Protestantismo é superior ao Catolicismo porque repousa sobre o princípio do livre exame. Sua moral é mais perfeita e tem o mérito de se aproximar bastante da simplicidade evangélica. Mas a ortodoxia protestante não pode ser considerada como a última palavra da renovação religiosa, pois se apega exclusivamente à “letra que mata” e à bagagem dogmática que em parte conservou.
Apesar dos esforços da teocracia, não se perdeu a doutrina secreta. Por muito tempo ficou velada a todos. Os Concílios e os esbirros do Santo Ofício acreditaram tê-las sepultado para sempre, mas, debaixo da pedra que lhe haviam colocado em cima, ela vivia ainda, semelhante à lâmpada sepulcral que arde, solitária, durante a noite.
Mesmo no selo do clero, sempre houve partidários dessas magníficas idéias de reabilitação pelas provas, da sucessão das vidas e da comunicação com o mundo invisível. Alguns têm até ousado elevar as suas vozes. Há meio século (1843), o Sr. de Montal, arcebispo de Chartres, falava nestes termos sobre a preexistência da alma e sobre as reencarnações:
“Visto não ser proibido acreditar na preexistência das almas, quem saberá o que em épocas vindouras virá a suceder entre as inteligências?”
O Cardeal Bona (o Fénelon da Itália), na sua obra sobre o discernimento dos espíritos, assim se exprime:
“É muito para estranhar que se encontrem homens de bom senso que tenham ousado negar as aparições e as comunicações das almas com os vivos, ou atribuí-las à imaginação transviada, ou ainda às artes do diabo.”
LEON DENIS
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A ARTE DIGITAL DE Matt Dixon
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