Entrevista ~ Marcelo Nova DMRevista – Que leitura você faz do estado atual do rock no Brasil? Marcelo Nova – A essa altura do campeonato, sair por aí dizendo que eu gosto ou não gosto de determinadas bandas seria muito infanto-juvenil pro meu gosto. Estou mais preocupado com a minha turnê e com a minha carreira, não sou especialista em bandas novas. Claro que deve existir um monte de bandas com trabalhos interessantes em Goiânia, São Paulo e Salvador. Mas as que chegam ao meu conhecimento, destacadas pela mídia, são muito fracas. Nada contra o aspecto comercial, não é esse o caso. Mas elas são muito parecidas, com os mesmos produtores (são todos iguais) e textos são semelhantes, inócuos. A internet, por um lado, facilita a vida da molecada, já que nunca foi tão fácil gravar e divulgar um trabalho. Por outro lado, também dificulta e atrapalha, porque a concorrência é absolutamente insana.  DMRevista – Como foi conviver com Raul Seixas, um 'roqueiro de verdade'? Marcelo Nova – Em 1960 e pouco, eu ouvia em casa Beatles, Rolling Stones e Animals, que formavam o triunvirato do rock inglês daquela época. Eu tinha os compactos e todos os LPs dessas bandas.Raul Seixas tinha a melhor performance de rock em Salvador. Eu vi Raulzito em ação com a maior banda de rock da cidade. Ia a todos os shows, não perdia nenhum. Quem diria que, 20 anos depois, eu seria parceiro e faria 50 shows com Raul Seixas? Quem diria que, 30 anos depois, eu seria parceiro de Eric Burdon, coproduziria um disco dele e que ele gravaria três músicas minhas? A aproximação com Raul foi engraçada. Eu tocava com o Camisa de Vênus no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e me disseram que ele estava a caminho porque queria me conhecer. Raul metia medo, ele detonava todas as bandas dos anos 80 com muita ironia. Mas ele apareceu muito sério, me cumprimentou, disse que gostava do Camisa. Naquela noite, ele subiu no palco, cantou com a gente e, a partir daí, a amizade se fortaleceu. Passamos a frequentar um a casa do outro, com muito respeito artístico. Tanto que, na Panela do Diabo (1989), fica bem claro o que cada um dizia e escrevia.   DMRevista – E com o Eric Burdon? Marcelo Nova – O Eric Burdon veio ao Brasil numa época em que eu colaborava com um programa de rádio. Ele nos deu uma entrevista e, como eu conhecia tudo o que ele tinha gravado, a conversa foi tranquila. Depois, enquanto eu gravava Quem É Você? (1996), ele apareceu no estúdio. Foi quando nós cantamos um clássico do Animals, Don´t Le Me Be Misunderstood. Ele pediu para eu traduzir algumas das minhas letras e, um pouco mais tarde, me ligou pra dizer que estava preparando um álbum nos Estados Unidos. Passei 15 dias em Nova York, trabalhando na pré-produção de My Secret Life, lançado em 2004 com três músicas minhas e outras inéditas dele. Algo que ele não fazia há muito tempo. Estas são as minhas medalhas. Eu me orgulho delas, mas não faço alarde. Nunca aproveitei esses momentos para me promover. São medalhas para o meu peito, não para o peito dos outros. E eu não planejei nada disso. Eu tive foi muita sorte. Por isso, não ligo a mínima para discos de ouro e platina, embora os tenha. Porque também tenho discos de couro, que não venderam nada. Dos quais eu também gosto bastante, às vezes mais do que os premiados. Ter atuado com Raul e com Eric Burdon foram verdadeiros brindes do destino. DMRevista – Sentiu a morte da Amy Winehouse? Marcelo Nova – Tenho filhas mais velhas do que ela, então posso chamá-la de moleca. A Amy era uma moleca que acreditou no glamour da decadência. E a valorização do glamour decadente reverte-se em sexo e drogas até chegar a um ponto difícil de lidar, ao último estrago. A mídia gosta de ver artistas que se arrastam pelo palco, numa atitude hipócrita e traiçoeira. Quando ela esteve no Brasil, li jornais que reclamaram dos shows ruins, que falavam mais do estado dela do que da música. Jornais que serviam de combustível para o charme da cantora drogada. Quando ela morreu, os jornais que a chamaram de junkie estamparam nas manchetes que Amy Winehouse era uma cantora “lendária”. É um perigo acreditar no que falam sobre você. Já tentaram me eleger como o sucessor de Raul Seixas, mas antes disso eu era punk. Se você se preocupa com a imprensa ou aceita a sedução da imprensa, atenção!, você está correndo um risco muito grande. Nunca acreditei numa palavra e não dou a mínima para o que dizem a meu respeito. Faço música para mim mesmo, não para o público. A música tem que me agradar primeiro. Mas, como disse, eu tenho sorte. Até hoje, tem gente que me ouve, gosta do que eu faço e compra os meus discos.  DMRevista – Voltaria a gravar com Camisa de Vênus? Marcelo Nova – Essas perguntas fundamentadas em hipóteses não me agradam muito. Eu criei a banda e, mais do que isso, dei personalidade à banda, escrevi todas as letras, fiz algumas canções. A minha voz está registrada em todos os discos. Aquele é o meu trabalho. Eu não separo Marcelo Nova de Camisa de Vênus, de Raul Seixas ou da Envergadura Moral. Eu me empenhei em todos eles. Hoje, eu não tenho motivação para gravar com Camisa de Vênus. Entendo que, no passado, nós fizemos coisas relevantes. Se isso voltará a acontecer? Depende. Eu voltaria a gravar com o Karl Hummel, o Gustavo Mullem, o Robério Santana e o Aldo Machado. Os caras com quem eu montei o Camisa. Mas, atualmente, minha motivação é ver meu filho crescer e se tornar um grande guitarrista, notar o entrosamento da minha banda, que está junta há três anos, ver minha agenda pelo Brasil. Vou lançar meu DVD em São Paulo, Goiânia, Belo Horizonte, depois pelo Nordeste e por aí vai. Esse é o meu momento e o meu presente.   DMRevista – DVD que, aliás, fora gravado em Goiânia. Como foi montar o repertótio? Marcelo Nova – Seria muito fácil preparar um show com todos os meus hits. Um show pra todo mundo cantar junto, o que normalmente acontece. Mas não penso dessa forma. Eu acho que o público está ali para ser surpreendido. A previsibilidade não me deixa confortável. É claro que tenho grandes sucessos. Mas também tenho grandes fracassos. Músicas que não ganharam o destaque das outras, mais conhecidas. E, nem por isso, elas são músicas ruins. Eu até gosto mais delas do que daquelas que me tornaram popular. Então, misturei. Peguei metade do meu trabalho solo, metade do trabalho com Raul Seixas, metade com Camisa de Vênus e incluí duas inéditas, O Ódio da Mão que Afaga e O Mundo Está Encolhendo. DMRevista – Como assim, o mundo está encolhendo? Marcelo Nova – Está encolhendo porque, enquanto as mulheres matraqueiam, os homens ficam pequenos. Os homens têm que ser maiores na pretensão, no ideal e na coragem. DMRevista – Qual o segredo para sobreviver artisticamente no Brasil durante 30 anos? Marcelo Nova – Fazendo rock? Determinação, coragem (olha ela aí de novo) e um pouco de talento. |